A minha relação com os telemóveis desde que aterrei em Madrid tem sido tumultuosa. O destino tem um jogo de cintura que me deixa a mim, que não danço, completamente fora de tempo: assim que saí do avião enganei-me a digitar o código pin, algo que nunca acontece. Teria mais duas oportunidades mas, misteriosamente, o cartão ficou imediatamente bloqueado. Não procurei explicações e aceitei com estoicismo esta privação. Afinal é uma nova fase, pensei, quando for a Lisboa, no Natal, procurei o cartão onde está escrito o puk.
Depois de uma sangria de moedas nas dispendiosas cabinas espanholas comprei um Alcatel bastante manhoso, o mais barato do Corte Inglés. Ainda hoje desatino com o sistema de escrita de mensagens e desespero com a lentidão dos menus. Aqui os preços das chamadas e das mensagens são disparatados; prefiro não estimar quanto gastei em comunicações ao procurar quarto. Faço carregamentos nas lojas de chineses. O toque é um nocturno de Chopin, o que significou uma regressão - em Portugal tenho Liszt.
Hoje, ao apalpar os meus bolsos, percebi que tinha comigo as chaves e a carteira mas que me faltava o outro elemento da trindade material do homem moderno - sim, que eu não tenho iPod. Tinha acabado de sair do autocarro que me trouxera da faculdade; estava com Marion e Victoire, que passaram a viagem a imitar os sotaques suíço e belga. A minha boa disposição esfumou-se e comecei a praguejar. Voltei ao autocarro mas em vão. Regressei à faculdade, refiz os meus passos: nada. Começava a sentir um amargo na boca por ter de comprar um novo cartão e anunciar um novo número. O desconsolo redobrou quando me lembrei que a Movistar, a habitualmente sovina operadora, me tinha dado um bónus bastante razoável há dias - uma promoção do género receba duas vezes o que carregar. Desgostoso, achei que uma caminhada me animaria. Vim de Moncloa até casa a pé, descendo a Princesa, passando pelo Palácio Real, cortando as ruas velhas e contornando a Plaza Mayor. Entrei num autoservicio e comprei duas garrafas de vinho para a festa de hoje à noite em casa de Victoire. Sentia-me melhor: bem vistas as coisas, teria sido mais grave perder a carteira ou o passe.
Entrei em casa, não tive de rodar a chave; a porta está quase sempre aberta. Ao passar junto do quarto de Jorge ele chamou-me: telefonaram-lhe, a partir do meu número, da EMT (a empresa de transportes) e disseram que podia ir buscar o telemóvel aos perdidos e achados. Parece que lhe perguntaram se falava castelhano, o que leva a crer que terão falado com mais gente. Segundo o site da Movistar, o meu saldo sofreu uma considerável razia. Provavelmente terão feito chamadas para os poucos números portugueses que tenho registados. Amanhã aferirei a exactidão destas suspeitas.
20071108
perdidos e achados
por joão c. às 20:16
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3 comentários:
Porque é que chopin é uma regressao em relacao a liszt? tsc tsc
Ah ja percebi. Tem a ver com a afericao da excatidao das tuas suspeitas!
Liszt está mais bem cotado nos meus rankings internos concernentes à superaçao de expectativas musicais. Ah, tenho uma novidade: sou amigo de uma rapariga que tem por apelido BADER. Com menos um A, mas já é qualquer coisa, hm?
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