Os meus contactos com a ópera devo-os a um tio especial que conseguiu subtrair a minha fobia ao género. Um mérito pelo qual lhe estou grato e que não foi mais amplo por falta de disponibilidade minha. Sobre ópera sei muito pouco e, se me fosse pedido para defini-la, arriscaria a seguinte frase: um encontro promíscuo entre música, teatro, dança e mito. A música que mais me enche é aquela que se apreende apenas com a audição e a ópera é outra coisa.
Soube (modéstia à parte, sou bom a inteirar-me destas coisas), que o Teatro Real vende os bilhetes disponíveis antes do início dos espectáculos com 90% de desconto. Só pode beneficiar disto quem ainda não chegou aos vinte e sete anos. O melhor de ser jovem não é a liberdade, a ingenuidade ou todos os lugares-comuns que se apregoam como estando associados a esta fase da vida. Nada disso: são estas borlas.
E assim fui eu assistir a Tancredi de Rossini. Senti que ocupar uma cadeira de 145 (!) euros merecia mais do que um dos meus casacos de capuz e vesti uma camisa pela primeira vez desde que cheguei a Madrid. O Teatro Real é a sala de espectáculos mais imponente onde já estive. O adjectivo que me vem à cabeça é "majestático". Na página oficial é dada uma ideia do espaço.
Escrita a partir de uma peça homónima de Voltaire, Tancredi é um mellodrama eroico que tem a particularidade de ter dois finais distintos, ambos legados por Rossini: na versão de Veneza, mais ligeira e de acordo com o padrão de gosto vigente na época, Tancredi sobrevive; na versão de Ferrara, mais consonante com o original de Voltaire, o herói morre. Escolhi assistir a esta última sem pestanejar: a tragédia seduz-me.
Não me desiludi. Ao longo dos seus dois actos, a obra é de uma tristeza solene e exacerbada, adornada por uma plêiade de alusões a valores revolucionários e patrióticos. O pano de fundo é a união da até então dividida Siracusa frente a um inimigo comum, o sarraceno Solimar. O fio condutor da acção é uma traição inexistente. Amenaide é acusada pelo seu pai, pelo seu amado Tancredi e pela sua pátria de estar envolvida com o inimigo. Em vão tenta clamar a sua inocência; na versão de Ferrara, Tancredi só se inteira da verdade já moribundo. Deixa a vida depois de derrotar Solimar e consciente da fidelidade de Amenaide; uma morte, sim, mas uma morte heróica, faz-nos crer Rossini. Quem estiver interessado numa sinopse mais completa pode consultar o allmusic.
A Orquestra Sinfónica de Madrid pareceu-me estar bem, sem ser arrebatadora. Como disse, não estou habituado a ouvir cantores líricos, mas as vozes deliciaram-me. A personagem de Tancredi era interpretada por uma mulher, Ewa Podlés, uma contralto que sobressaiu aos demais.
20071209
tancredi
por joão c. às 00:41
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