20071209

arroz três delícias

Levanto-me com vontade de comer arroz, mas o meu stock caseiro está a zeros. Tomo um duche, desço os quatro andares e acho-me em pleno rebuliço. A calle de Toledo, ligação entre a Plaza Mayor e o Rastro, está intransitável nestes domingos que antecedem o Natal. Vêem-se imensas cabeças cobertas com uns gorros que reproduzem focinhos e hastes de renas. Enfio-me pela Concepción Jerónima e respiro de alívio por me soltar do magote. A temperatura subiu um pouco, é um bom dia para andar pela cidade.
Onde encontrar arroz? Penso nos turcos e curdos de Lavapiés e para lá me encaminho. À medida que vou passando pelos restaurantes, dou-me conta de que quero arroz como prato principal e não como simples acompanhamento. Há já quatro dias que não como o polivalente cereal. Os kebabs e pedaços de frango enquadrados por míseras porções de arroz não me atraem hoje. A fome vai aumentando, o meu estômago começa a queixar-se. Estou quase a chegar ao Reina Sofia e com poucos cenários montados. Passo por restaurantes espanhóis onde podia comer uma paelha mas não me apetece gastar muito. Subo, macambúzio, a Calle de Santa Isabel quando reparo num vidro escuro e sujo onde estão anunciados pratos baratos. Entre eles encontra-se uma paelha ao preço da chuva. Triunfante, entro no sítio, escuro e abafado. Está a meio caminho entre uma churrasqueira castelhana chunga e um restaurante chinês clandestino. Calendários kitsch com pandas e uma televisão ligada na Telemadrid. Três velhos bebem cervejas, dois miúdos brincam e, atrás do balcão, um chinês circunspecto avalia-me. Pergunto-lhe pela paelha, diz que não há. Tem algum arroz? Tlés delícias, responde. Venha ele. Grita, na sua língua, "arroz três delícias" para a mulher que está na cozinha.
Futebol à parte, não vi nada na televisão ao longo dos últimos meses; assisto ao Gato Fedorento, mas pelo computador. O programa que está a dar chama-se "Moda Real". A ideia é interceptar pessoas na rua e pedir-lhes que descrevam o que têm vestido, onde o compraram, por que razão e por quanto. Vejo três depoimentos até que chega o meu prato devidamente ocupado por uma montanha de arroz. Peço água à mulher e ela traz-me um copo em vez de uma garrafa. Gosto da água canalizada de Madrid. O arroz está saboroso, tem boa consistência, bocados de fiambre gordos e uma nota ao fundo surpreendentemente delicada. O homem que está sentado na mesa da frente tem um gigantesco ataque de catarro que serve de banda sonora ao meu almoço.
Termino a refeição, satisfeito. Levo a loiça para o balcão e a mulher, que tomou o lugar do homem, sorri-me e diz glacias. Passo-lhe dez euros e ela devolve-me sete e meio, o que concede a esta tasca, provavelmente, o título de lugar mais barato de Madrid.

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