20071031

a conferência de jesse chacón

A conferência da semana passada desenrolou-se sob uma atmosfera tensa. Doses abundantes de exaltação e maniqueísmo regaram a discussão subsequente. Por partes.
Sala cheia para ouvir Jesse Chacón, ministro venezuelano das Telecomunicações e Informática. Tem a postura deslocada do antigo militar que se vê de fato e gravata rodeado de civis. Junto dele: uma funcionária da embaixada venezuelana em Madrid e dois professores da Faculdade. Um deles, de nome Carlos Fernández Liria, abre as hostilidades. Começa por abordar a ausência de meios de comunicação na sala; saúda depois o carácter democrático da Venezuela e da actual reforma constitucional e contrapõe a situação espanhola onde a monarquia nunca foi referendada. Arrancou a primeira salva de palmas do dia - viriam a ser bastantes, repartidas entre as duas facções presentes. Chacón toma a palavra. Discurso institucional, contextualização dos últimos quinze anos, resumo dos objectivos da reforma da constituição, apresentação de indicadores, todos positivos. À medida que avança, ganha substância. O Banco Central perderá a sua autonomia. Diz Chacón que tal se deve a uma revisão de prioridades: o que importa é a qualidade de vida do povo e não a macroeconomia. Uma citação de Guevara, todos tomam café ou ninguém toma café. Prossegue, nada há de mais político que a economia. Paralelismos com o Chile de Allende. Democracia participativa em detrimento da representação. Substituir os media tradicionais por grupos de cidadãos que produzam a sua própria informação. A recta final é eficaz. O ás de trunfo argumentativo do nosso tempo é a ecologia e Chacón maneja-o habilmente. O mundo pode estar a acabar, afirma, mas há um caminho que o evita: o socialismo do século XXI. Socialismo ou barbárie, termina, para apoteose de mais de quase toda a sala que comunga num longo aplauso.
O debate foi fraco. Três ou quatro venezuelanos intervieram e expressaram o seu descontentamento em relação a Chávez. Que o país está mais inseguro e que a pobreza aumentou, dizem. Que a polícia reprime as manifestações contra o governo. Aplausos, menos do que para o ministro. O tal Fernández Líria, professor e especialista na Venezuela, replica: a esmagadora maioria dos venezuelanos não poderia estudar em Madrid, o que dirá muito sobre o tipo de gente que denigre Chávez. O ministro não desenvolve muito: antes era pior, diz. Que no tempo dele havia mortos nas manifestações estudantis; que há países onde é bem mais perigoso sair à rua que na Venezuela. Que, provavelmente, os manifestantes são estudantes da universidade controlada pela Opus Dei. A audiência aplaude ruidosamente. Alguns espanhóis também participam: um afirma que há que ter em conta o contexto e a estrutura social de cada situação específica antes de proferir sentenças. Outro cumprimenta a revolução e gasta minutos a fio atirando palavras contra o império, os Estados Unidos, isto é. Diz que uns quantos neo-nazis cortaram a electricidade à embaixada cubana e pergunta como teria sido tivessem sido os yankees o alvo. Mais uma participação: não estará a revolução demasiado centrada na figura de Chávez e seu núcleo duro? O ministro responde que enquanto o povo venezuelano o entender o presidente continuará no poder. Alguém pergunta se os homossexuais vão ter direito ao casamento consagrado constitucionalmente. Não sei os números de cor, mas suponho que não haja mais de meia dúzia de países onde tal suceda, o que torna a pergunta um pouco esotérica. Ainda assim recolhe uns quantos aplausos. A última questão veio de um gajo das Honduras; depois de saudar a revolução, colocou a pergunta mais pertinente do dia. Sim senhor, a Venezuela é um país soberano e desenrolam-se lá uma série de processos novos. De acordo, a Venezuela tem uma certa margem de manobra e pode financiar programas de apoio e cooperação com estados amigos. Mas até quando durarão as reservas de petróleo? Que planos há para fomentar a criação de riqueza? O ministro contornou pouco subtilmente a questão e falou do novo satélite que será encarado a partir de uma perspectiva social e que servirá toda a América Latina. O nome é Simon Bolívar. Fim da conferência, ovação geral. Jorge Verstrynge, o incendiário professor que compara Chávez a de Gaulle, sorria em estado de deleite.

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