A colecção de bolso do triunvirato Cotovia-Assírio-Relógio d'Água está a crescer a bom ritmo. Há ali alguns livros que me são queridos. Os únicos clássicos russo-ucranianos que li: os Contos de São Petersburgo de Gogol e O Jogador de Dostoievski. Duas recentes ficções em língua portuguesa que nos levam a dois Orientes muito distintos: Estranho em Goa de José Eduardo Agualusa e Mongólia de Bernardo Carvalho. O da Selma Lagerlöf, uma bonita viagem por paisagens e mitos suecos. O do Ortega y Gasset, uma iniciação adequada à minha condição de leigo em matérias filosóficas. Também há Pessoa e Sá-Carneiro.
De Homero li a Odisseia mas é A Ilíada, que ainda não conheço, que está na lista de títulos. Depois há outros clássicos com que não contactei: Shakespeare, Baudelaire, Freud, Woolf.
Mas o que mais me saltou à vista foi a inclusão das Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis. Esta obra é a minha sugestão de oferta natalícia. É um livro do caraças e começa assim:
AO LEITOR
QUE STENDHAL confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cinqüenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, Brás Cubas, se adotei a forma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe meti algumas rabugens de pessimismo. Pode ser. Obra de finado. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual, ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.
Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém menos cousas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinário que empreguei na composição destas Memórias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessário ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.
Brás Cubas
1 comentário:
Aprovado e recomendado pela mademoiselle cameira (responsável pela expansão da diáspora do brás cubas pela esplanada da fcsh) e pelo mais que exmo. senhor esteves pereira, teria de ser extraordinário, o livro. E é. Uma das minhas melhores leituras, de todas as que fiz, acho eu. Pelo menos uma das que mais em divertiu, isso é certo, nesse capítulo ombreia com a Queda dum Anjo , do Camilo, que também podia ser editado nessa muito útil colecção (não são os 90% de desconto para a Ópera mas, caramba, já cá faltavam livros de bolso decentes, em Portugal!)
paulo
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