20071207

dinâmica familiar no 19 da calle de toledo

A típica noite de Manuela é passada com os miúdos em frente à televisão, os olhos seguindo distraidamente o previsível enredo de um qualquer filme de desenhos animados. De quando em quando, Manuela sai para o emaranhado das ruas e junta-se à boémia dos actores. São noites animadas: ela cresceu entre Madrid, Sevilha e Marrocos, e imagino que tal tenha contribuído para o seu forte sentido de rua. As manhãs seguintes são de invariável ressaca e exibicionismo garantido. Há tempos anunciava, triunfante, o seu convívio com a mãe de Javier Bardem, também ela actriz.
No que concerne à ordem doméstica, eu e Jorge, o mexicano, gozamos de um regime comparável ao de judeus e cristãos na altura dos califados: desde que paguemos o tributo e não levantemos demasiadas ondas, estamos à vontade. Quanto ao resto, Manuela dirige esta casa e os seus filhos de um modo que oscila entre o despótico e o anárquico. O fio condutor desta convivência familiar é uma ternura mais que latente, um afecto que atinge proporções inusitadas. Leonardo, o de quatro anos, não consegue estar afastado da mãe - literalmente. Jorge, o de treze, tem no quarto uma foto de Manuela grávida. Algo corriqueiro, não estivesse ela nua. Berros de Manuela, respostas tortas de Jorge e crises de choro de Leonardo opõem-se a doces diminutivos e muitos beijos.
De vez em quando, José, o pai dos miúdos, passa por cá. Sempre vestido de preto e com botas de pele, voz grave e aspecto de estrela decadente do rock espanhol. Saúda-me sempre com um sintético qué? em vez do tradicional qué tal? Não é claro que tipo de relação o une a Manuela: a imagem de independência feroz dela dilui-se um pouco quando ele passa tardes (e noites) por aqui.

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