20071015

spiritualized acoustic mainlines

Eu sou um adepto da sonoridade Spiritualizediana. Já passei gordas dezenas de horas a ouvi-la na versão tradicional, a eléctrica. Como tal, adquiri o bilhete para o concerto de sexta-feira assim que cheguei a Madrid. Algumas impressões sobre essa hora e meia, ainda que escrever sobre música não seja o meu forte.
Jason Pierce, ou J. Spaceman, esteve clinicamente morto há dois anos. Assim mesmo, morto, devido a uma pneumonia causada por drogas. Spaceman já anda no rock desde o início dos anos 80, é uma testemunha e uma relíquia de outra época. Mas quis a providência que ele voltasse ao lado de cá: uma história de redenção, como em tantas músicas dos seus Spacemen 3 ou dos posteriores Spiritualized. Jason terá então acordado e percebido que estava vivo; num rasgo de iluminação resolveu ornamentar com novos arranjos as suas eléctricas criações. Suprimiu a distorção, foi buscar um quarteto de cordas e um coro gospel. Baralhou, partiu e deu de novo, enquanto afirmava que se limitava a aprofundar aspectos patentes mesmo nos momentos mais ruidosos. Arqueologia do space-rock? Introspecção solipsista e hermética?
O alinhamento de sexta-feira foi mais homogéneo em termos temáticos que cronológicos: Lord let it rain on me, Walking with Jesus, Lord can you hear me? e quejandos. A relação de Pierce com o sagrado é complexa e a tendência terá sido para se intensificar depois da sua experiência de vida-morte-vida. Mas já desde os anos 80 que vem explorando de modo obsessivo componentes religiosas. Deus, Jesus, almas, ondas e chuvas bíblicas, pecado, redenção, todo este bolo teológico é persistentemente amassado por ele. Também há referências indirectas: na serenidade estóica com que se desprende do mundo e levita rumo aos astros (outra fixação), na forma como se diz flutuar no binómio espaço-tempo, na concepção metafísica dos seus estados de espírito, na caracterização quase divina dos objectos amados. Do ponto de vista técnico, o quarteto de cordas, as cantoras de gospel e o piano estavam bem articulados com a voz de Spaceman e a sua guitarra. Os iniciais guinchos de feedback do microfone foram corrigidos. A atmosfera íntima da sala e o facto de a audiência estar em sintonia foi preponderante; pouco há de mais irritante que aqueles cretinos que não conseguem estar calados e sabotam o deleite a todos os outros. Em síntese, foi um concerto muito bonito e eu cumpri um dos meus desígnios musicais: escutar a Ladies and gentlemen, we're floating in space ao vivo.
A abrir actuou uma dupla de catalães com uma estética, sonora e visual, semelhante à dos Kings of Convenience. Tocaram uma versão do Leonard Cohen, That's no way to say goodbye, e não percebi mais nada porque o resto foi cantado em catalão (que me soava a esperanto). A noite foi encerrada pelos Soulsavers, coadjuvados por Mark Lanegan: guitarras sujas, voz cavernosa e também um par de cantoras gospel. Pareceu-me uma actuação sólida, mas encontrava-me sedado pelo brilho do concerto anterior. Num pico de referências cruzadas, tocaram uma versão de uma faixa dos Spain chamada... Spiritual.

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