Visitei Sevilha por capricho de uma moeda lançada ao ar. Granada, a alternativa, ficará para depois. Em AVE (o serviço ferroviário de alta velocidade) a distância cumpre-se em duas horas e por 70 euros; pela estrada a viagem leva o triplo do tempo mas custa um terço. E assim fomos num autocarro que cortou paulatinamente o sul da península. Um monitor mostrava maus filmes americanos sem legendas; uns quantos passageiros, incluindo Josephine, dormiam. A planície renovava-se monotonamente e eu ia olhando pela janela. A dada altura, sem que houvesse outra construção nas imediações, passámos por um edifício baixo. Viam-se palavras em árabe inscritas nas paredes e homens com barba vestidos de branco sentados nos degraus.
O tipo de charme de Sevilha é diferente daqueles que tinha conhecido até hoje. A cidade não é de fácil apreensão. Há muitos séculos de história e uns quantos mitos associados. Don Juan, Carmen e Fígaro são figuras de quem sempre ouvi falar e de quem sei pouco além do rudimentar. Mas havia outras personagens sevilhanas que me eram desconhecidas: veja-se a história de Santa Justa e Santa Rufina, as primeiras mártires cristãs da península e padroeiras de Sevilha. Ambas foram condenadas no século III por destruir uma imagem de Vénus. Justa pereceu antes de Rufina. A esta arrancaram-lhe as unhas atiraram-na aos leões. As feras, em vez de devorá-la, lamberam-lhe as feridas docilmente. Velázquez pintou uma Santa Rufina que eu encontrei no Bairro de Santa Cruz.
A forte impressão causada por Sevilha é ampliada por uma história de tensões entre dominantes e minoritários, mártires e carrascos, invasores e conquistados. O resultado arquitectónico, já se sabe, é único. A mesquita foi arrasada (excepto a torre da Giralda e o pátio das laranjeiras) e deu lugar a uma catedral de dimensões inusitadas. Sevilha é sinestésica: cidade de becos, de odor citrino e de chilreadas. Verdejantes pátios exibem-se perante quem os queira ver. A parte gastronómica também foi proveitosa. Pedaços de fígado grelhados e cogumelos afogados em azeite, espinafres salteados com grão e lagostins panados.
As minhas últimas horas em Sevilha passei-as no Alcázar. Os jardins conservam a traça árabe e misturam-na com outras escolas. A manhã estava amena, os visitantes não eram muitos e o silêncio era contrariado apenas pelos pássaros. Josephine saltou para as minhas cavalitas e fizemos um slalom entre turistas nórdicos de meia-idade.
20080222
sevilha
por joão c. às 21:19
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